Os detetives reúnem os indícios e pistas. Analisam-nas até à exaustão.
Após os interrogatórios, têm conhecimento da relação amorosa entre Manuel Castanheira e Florinda Esteves. Os amantes juntavam-se durante o dia, quando Cidália fazia a distribuição do pão. Só Norberto se apercebia desses encontros furtivos, nas arrecadações da padaria, o que o corroía por dentro.
O cheiro a tabaco também parecia indiciar a presença de um fumador na carrinha. Manuel era fumador.
O historial de maus tratos em relação a Cidália, os ciúmes, diga-se, pelo que se investigou, infundados e até despropositados, pelo menos na aparência, só contribuíam para fazer do marido de Cidália o suspeito preferencial. Contudo, o sangue encontrado no banco ao lado do condutor, não era dele. Nem de Cidália. A análise feita à amostra de sangue recolhida, prova que era de Norberto.
Margarida, a jovem estudante, tinha acompanhado toda a investigação de perto.
Conhecia bem Norberto. Tão bem que tinha reparado em algo estranho no seu comportamento, nos últimos dias. Movia-se com uma certa dificuldade, estava mais taciturno do que o habitual e, para espanto da jovem, parecia abeirar-se de Florinda para lhe segredar algo, com demasiada frequência. O que teria de facto acontecido?
Margarida era uma rapariga afoita, persistente, arguta, para além de rigorosa nas suas análises. Era muito intuitiva. Esta espécie de dom nascera com ela. Desde pequena que se habituara a deixar-se conduzir pela sua intuição.
Durante a noite, deslocou-se ao casebre onde Norberto habitava. Munida de uma lanterna e sempre acompanhada pela sua máquina fotográfica, Margarida vasculhou todo o casebre. Especialmente, o quarto.
Com algum nervosismo, não fosse encontrada em casa alheia, no negrume da noite, olhou para um canto onde deparou com umas calças de ganga embrulhadas. Estendeu-as e verificou que tinham uma mancha do que parecia ser sangue. Fez-se luz, na sua cabeça. A sua respiração tornou-se mais ofegante e, quis o acaso ou a sua habilidade que dentro do velho roupeiro, desse com um pequeno lenço onde se encontrava uma chave de fendas ensanguentada. Perto dele, um cinto largo e forte, colocado estrategicamente a seu lado, talvez para que, de seguida, lhe fosse dado sumiço. Neste cinto foram, pouco depois, descobertos vestígios de ADN de Cidália.
Margarida não esperou mais. Fotografou todos estes objetos e, cuidadosamente, colocou-os num saco de plástico limpo.
Saiu a correr dali, por entre o matagal, e dirigiu-se a sua casa.
Nada dormiu nessa noite.
Ao outro dia, confrontou os inspetores com os objetos recolhidos.
Foi, então, que narrou a sua versão do crime.
Florinda, ambiciosa, amante de Manuel, fora a mandante do crime. Encomendou-o a Norberto. Este nutria por ela uma secreta paixão, mas sobretudo precisava do dinheiro que, em troca do crime, lhe era oferecido por ela.
Nesse dia, véspera do Dia de Todos os Santos, Cidália não suspeitava que a despedida de Norberto era fictícia. Na verdade, ele introduziu-se na carrinha e acompanhou-a, desculpando-se com uma oportuna boleia de que necessitava com urgência.
A meio do trajeto, na Estrada da Excomungada, obriga Cidália a parar o veículo e, sem dó nem piedade, estrangula-a com o cinto. Ela tenta defender-se e espeta a chave de fendas que levava normalmente debaixo do banco, na perna de Norberto. Apesar da dor, e do sangue que jorrava, a força do homem foi suficiente para terminar com a vida de Cidália. Ouviu o estertor da sua morte. Suspirou, entre a raiva que o consumia pela morte de Cidália, por quem nutria respeito e o regozijo de ter consumado a ordem dada.
Depois, encenou um acidente de automóvel, tal como havia combinado com Florinda. Após o mesmo, levou o corpo para a beira do rio, camuflando-o entre as pedras e as altas ervas que abundavam nas margens.
Florinda tinha conseguido ver-se livre da rival. Ficava com o amante e com o comando do negócio. Quem sabe, seria rica e poderosa.
Norberto pagaria as dívidas e talvez tivesse de Florinda alguma outra recompensa. Afinal, era bem mais jovem do que o acabado Manuel Castanheira e não lhe haviam escapado os olhares provocantes de Florinda.
Esta é a história que Margarida conta aos inspetores.
Verificadas as provas e confrontados os suspeitos, a sua versão dos acontecimentos é confirmada..
Margarida tinha desvendado o crime da Estrada da Excomungada.
Como excomungados são a avidez e alguns dos desenganos da vida.