Ao entrar na sala, o detetive não conseguiu esconder a expressão de tristeza no rosto cheio de rugas, pois reconhecera a sua amiga de infância, apesar de mais velha do que ele. Com uma luva, retirou a caixa e o comprimido que sobrara, colocando-os num saco para investigação. Entretanto, Pedro Pereira, o segundo polícia, tocara nas campainhas dos vizinhos para procurar informações. Apenas a Dona Edite lhe confessou que o único filho da vítima chegara a casa antes da hora de jantar, saindo apenas de manhã, antes que o sol nascesse.
O detetive, ao ouvir o testemunho da vizinha, ficou intrigado e perguntou-lhe: “A senhora não vê novelas até tarde?”. Ao que ela respondeu de imediato: “Ora, claro que vejo! Só me deito quando elas acabam”. Jorge Bacelos perguntou: “Assim sendo, como é que a senhora consegue acordar tão cedo, se se deita tão tarde?”. “É que ontem, assim que jantei, tomei um comprimido que me deu muito sono e, por isso, não vi as novelas, mas desculpe perguntar, acha que eu, com os meus oitenta e cinco anos e estas duas bengalas, conseguia fazer algum mal à minha querida vizinha?”, disse ela, com um ar muito ofendido. Voltando a intervir, antes que ele conseguisse falar: “Pode perguntar ao meu médico. Foi ele que me receitou este novo comprimido ontem de manhãzinha quando lá fui a queixar-me da minha tensão alta”. Sem aguardar resposta, pediu a um dos polícias que tratasse de averiguar a veracidade da história, que foi comprovada.